Carta aberta do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro em resposta às recentes declarações do Prefeito Eduardo Paes

O Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas vem a público repudiar as desrespeitosas declarações do atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro, senhor Eduardo Paes, durante sabatina realizada na última sexta-feira (31/08) pela Folha de São Paulo/UOL, no Teatro da Gávea, e transmitida ao vivo via internet.

Cabe, primeiramente, salientar que o Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas do Rio de Janeiro desenvolve atividades de resistência a violações de direitos humanos ligados à preparação da cidade para os megaeventos esportivos desde 2010, tendo como referência o trabalho do Comitê Social do Pan, articulação semelhante criada no contexto dos preparativos para os Jogos Pan-americanos de 2007. Formado por diversos movimentos sociais e grupos representantes de demandas legítimas e históricas da sociedade civil, o Comitê organiza atos públicos, debates, campanhas e elabora documentos criteriosos construídos coletivamente, buscando denunciar práticas arbitrárias de desrespeito aos direitos à moradia, ao trabalho, à educação, ao lazer, à informação e à participação desempenhadas pelo poder público e empresas parceiras nos projetos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, apresentando reivindicações e propostas de superação deste quadro (veja nosso histórico de atividades ou faça o download do dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro).

Portanto, nossa atuação não está, em absoluto, condicionada ao processo eleitoral em curso, mas sim à defesa de um projeto de cidade menos excludente e mais participativo. A vinculação oportunista do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas às eleições, afirmada pelo atual prefeito, é falaciosa, desonesta e ultrajante, carecendo de qualquer base factual. Para além disso, o Comitê Popular procura deixar sempre claro, e reitera aqui, que seu posicionamento é totalmente contrário à remoção de moradores de favelas, independentemente de sua vinculação com a Copa do Mundo e Olimpíadas e reivindica que esta seja uma postura também da Prefeitura. Ainda assim, a ligação entre as principais obras de mobilidade justificadas pelos megaeventos e as remoções recentemente realizadas é evidente.

Cai por terra a afirmação do prefeito de que o novo sistema de BRTs em implantação não é um projeto para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, quando vários documentos do próprio poder público, como o Dossiê de Candidatura da cidade apresentado ao COI (que tem valor legal, uma vez vinculado ao contrato assinado entre as instituições em outubro de 2009), a matriz de responsabilidades assinada em 2010 por representantes das três esferas de governo e os portais de transparência governamentais dizem o contrário. Mesmo projetos como a “revitalização” da área portuária e a reforma do Estádio Mario Filho (Maracanã) se valem da justificativa dos megaeventos para obter financiamentos públicos a preços abaixo do mercado. Tais projetos têm gerado remoções arbitrárias, respectivamente no Morro da Providência e Metrô Mangueira, conformando uma política de expulsão, direta ou indireta, de moradores de favelas situadas em áreas de grande valorização para favorecer o capital turístico-imobiliário.

A assertiva de Eduardo Paes de que os removidos são tratados de forma justa e digna também não se confirma. De acordo com nossos levantamentos – baseados em visitas às comunidades, relatos de moradores, relatório da Plataforma DHESCA, em decretos municipais e em notícias veiculadas na imprensa -, até abril de 2012 1.860 famílias já haviam sido removidas e outras 5.325 se encontravam ameaçadas de sofrer o mesmo processo, totalizando mais de 7.000 famílias com direitos violados (ver quadro no final desta carta). Reiteramos que as características encontradas nesse processo foram de truculência e falta de fornecimento de informações no trato com os moradores afetados. Há, inclusive, diversos registros audiovisuais que evidenciam esse processo. Verificou-se, ainda, o pagamento de indenizações muito abaixo dos valores praticados no mercado local e a negociação feita de forma individual, e não coletivamente, de maneira a minar resistências. Quando há propostas de reassentamento, este se dá em áreas muito distantes (até 70 km) da área original de moradia.

No que se refere às declarações do prefeito sobre o Plano de Urbanização da Vila Autódromo, apresentado na Prefeitura há algumas semanas, vale ressaltar que a comunidade construiu a proposta e é responsável pela elaboração do documento, que contou com a assessoria técnica de duas das mais conceituadas universidades do país – a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). A visão do prefeito de que os moradores de comunidades são incapazes de formular novas ideias e são facilmente ludibriáveis se demonstra extremamente elitista, preconceituosa e repudiável.

Da mesma forma, a ideia claramente explicitada pelo atual prefeito – ao longo de toda a entrevista – de que somente quem é morador do Rio de Janeiro pode falar sobre a cidade é bastante contraditória com a tradição acolhedora e cordial do povo carioca em relação a pessoas não nascidas na cidade. Várias personalidades-símbolo do Rio de Janeiro, como Ari Barroso, Mario Filho, Nelson Rodrigues, Martinho da Vila, dentre tantos outros, não nasceram aqui, mas notadamente falaram com muita propriedade de nosso cotidiano, contribuindo inclusive para a formação da identidade carioca, hoje vendida como mera mercadoria. Tampouco isso faz sentido em uma cidade onde parte importante de sua força de trabalho, além de usuários de serviços e espaços públicos, provém de cidades da região do Grande Rio, dentre as quais está inclusa a cidade de Niterói. A ideia de um “Rio para os cariocas” encontra eco em outras manifestações de ódio étnico-racial propagadas pelo mundo, que ao longo da história serviram somente à ampliação da violência e segregação.

Nesse sentido, o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas repudia veementemente qualquer tipo de demonstração que possa fomentar a xenofobia. Ressalte-se que esta postura é ainda contraditória com as decisões político-administrativas do prefeito, já que este se valeu da expertise nacional e internacional para a elaboração de projetos como o Parque Olímpico, junto à AECOM, um escritório de arquitetura inglês; o Museu do Amanhã, com o arquiteto espanhol Santiago Calatrava; obras de infraestrutura junto à empresa baiana de origem alemã ODEBRECHT, incorporações com a empresa CYRELA, de São Paulo, dentre vários outros parceiros que não são do Rio de Janeiro.

O Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, declara, por último, que luta pela existência de muitos “Rios de Janeiro”, e não de apenas um só. Por isso sua atuação continuará no sentido de garantir direitos a todos, através de denúncias e elaboração de propostas para a cidade. Não nos calaremos diante de declarações infelizes e desonestas como esta proferida pelo prefeito do Rio de Janeiro, que tenta desqualificar de maneira desrespeitosa ações legítimas de exercício da cidadania e de resistência frente a processos violentos e autoritários articulados pelo poder público e seus parceiros na preparação para megaeventos esportivos.

Rio de Janeiro, 6 de setembro de 2012

Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro

7 respostas em “Carta aberta do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro em resposta às recentes declarações do Prefeito Eduardo Paes

    • Vale ressaltar que a Comunidade Vila Vitória de Manguinhos, cito à Rua Leopoldo Bulhões, 529 – Benfica, também sofre processo de remoção no presente momento e que estamos com prazo até dia 20 do corrente mês para ser expulsos de nossas casas sendo que não temos para onde ir!!! Em Benfica/RJ várias Comunidades já foram removidas e se encontram ainda no aluguel social ocupando assim todas as casas que haviam disponíveis para alugar. E agora? O que faremos? Para onde iremos? Este é o drama de inúmeras familias, incluindo deficientes fisicos, mentais, idosos e crianças. Uma visita ao local comprovaria nosso drama! Direitos Humanos Já!!!

  1. E o cara ainda lidera as pesquisas!? Povo desinformado, mais pesquisa manipuladora, mais dinheiro de capital privado (Sem contar os da verbas de desvios público e licitações fraudulentas = reeleição…

  2. Pingback: Carta aberta do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro em resposta às recentes declarações do Prefeito Eduardo Paes (RJ) « Pela Moradia

  3. Essa política socialista que domina o país á dezenas de anos beneficiando interesses particulares de governantes, empresários a elite de um modo geral, e ficam fantasiando uma democracia hipócrita. Por trás das remoções está toda essa corja de poderosos na maioria empresários de empreiteiras que querem valorizar seus condomínios que estão próximos a essas comunidades carentes ou querem o terreno para construir mais condomínios, geralmente prometido por governos que estão no poder em trocas de favores. Essas remoções ou intenções de remoções tem apoio da maioria da sociedade que não quer ver os seus imóveis desvalorizado e esteticamente são reprovados pelos mesmos ignorando que essas comunidades estão “feiosas” a décadas devido ao descaso e abandono do poder público que não faz sua parte melhorando e urbanizando essas comunidades acompanhando o progresso local ficando aquele contraste; ignorando também o destino que é dado á milhares de famílias carentes na realidade querendo vê-los bem longe, menos aqueles ou aquelas que os servem como serviçais em suas casas, mansões, condomínios, lojas, comércio etc… Generalizando e oficializando toda uma hipocrisia. Somente através da EDUCAÇÃO poderíamos mudar ESSA CULTURA tudo que a elite (os poderosos) não querem, por isso se mantém no braZZil uma das piores educação do mundo, para que o povo seja fácil de ser manipulado como MARIONETES nas mãos dos poderosos dessa terra. Saudações comunitárias e solidárias…

  4. Aonde está o poder público? Fechado com esses sem vergonhas,mau carater ,onde fica o direito do povo que mal consegue pagar seus impostos,por ganancia desses que se diz representante do POVO.Porque a justiça eleitoral não repreende esses safados?Á justiça federal tem o poder de investigar isso,pois eles tem à tal imunidade parlamentar.
    É uma vergonha saber que meu sofrido e minguado dinheiro é usado por essas quadrilhas de engravatados ,fantasiados de bom mocinho, mas que não valem nem a roupa que vestem.

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