Carta aberta do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro em resposta às recentes declarações do Prefeito Eduardo Paes

O Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas vem a público repudiar as desrespeitosas declarações do atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro, senhor Eduardo Paes, durante sabatina realizada na última sexta-feira (31/08) pela Folha de São Paulo/UOL, no Teatro da Gávea, e transmitida ao vivo via internet.

Cabe, primeiramente, salientar que o Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas do Rio de Janeiro desenvolve atividades de resistência a violações de direitos humanos ligados à preparação da cidade para os megaeventos esportivos desde 2010, tendo como referência o trabalho do Comitê Social do Pan, articulação semelhante criada no contexto dos preparativos para os Jogos Pan-americanos de 2007. Formado por diversos movimentos sociais e grupos representantes de demandas legítimas e históricas da sociedade civil, o Comitê organiza atos públicos, debates, campanhas e elabora documentos criteriosos construídos coletivamente, buscando denunciar práticas arbitrárias de desrespeito aos direitos à moradia, ao trabalho, à educação, ao lazer, à informação e à participação desempenhadas pelo poder público e empresas parceiras nos projetos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, apresentando reivindicações e propostas de superação deste quadro (veja nosso histórico de atividades ou faça o download do dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro).

Portanto, nossa atuação não está, em absoluto, condicionada ao processo eleitoral em curso, mas sim à defesa de um projeto de cidade menos excludente e mais participativo. A vinculação oportunista do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas às eleições, afirmada pelo atual prefeito, é falaciosa, desonesta e ultrajante, carecendo de qualquer base factual. Para além disso, o Comitê Popular procura deixar sempre claro, e reitera aqui, que seu posicionamento é totalmente contrário à remoção de moradores de favelas, independentemente de sua vinculação com a Copa do Mundo e Olimpíadas e reivindica que esta seja uma postura também da Prefeitura. Ainda assim, a ligação entre as principais obras de mobilidade justificadas pelos megaeventos e as remoções recentemente realizadas é evidente.

Cai por terra a afirmação do prefeito de que o novo sistema de BRTs em implantação não é um projeto para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, quando vários documentos do próprio poder público, como o Dossiê de Candidatura da cidade apresentado ao COI (que tem valor legal, uma vez vinculado ao contrato assinado entre as instituições em outubro de 2009), a matriz de responsabilidades assinada em 2010 por representantes das três esferas de governo e os portais de transparência governamentais dizem o contrário. Mesmo projetos como a “revitalização” da área portuária e a reforma do Estádio Mario Filho (Maracanã) se valem da justificativa dos megaeventos para obter financiamentos públicos a preços abaixo do mercado. Tais projetos têm gerado remoções arbitrárias, respectivamente no Morro da Providência e Metrô Mangueira, conformando uma política de expulsão, direta ou indireta, de moradores de favelas situadas em áreas de grande valorização para favorecer o capital turístico-imobiliário.

A assertiva de Eduardo Paes de que os removidos são tratados de forma justa e digna também não se confirma. De acordo com nossos levantamentos – baseados em visitas às comunidades, relatos de moradores, relatório da Plataforma DHESCA, em decretos municipais e em notícias veiculadas na imprensa -, até abril de 2012 1.860 famílias já haviam sido removidas e outras 5.325 se encontravam ameaçadas de sofrer o mesmo processo, totalizando mais de 7.000 famílias com direitos violados (ver quadro no final desta carta). Reiteramos que as características encontradas nesse processo foram de truculência e falta de fornecimento de informações no trato com os moradores afetados. Há, inclusive, diversos registros audiovisuais que evidenciam esse processo. Verificou-se, ainda, o pagamento de indenizações muito abaixo dos valores praticados no mercado local e a negociação feita de forma individual, e não coletivamente, de maneira a minar resistências. Quando há propostas de reassentamento, este se dá em áreas muito distantes (até 70 km) da área original de moradia.

No que se refere às declarações do prefeito sobre o Plano de Urbanização da Vila Autódromo, apresentado na Prefeitura há algumas semanas, vale ressaltar que a comunidade construiu a proposta e é responsável pela elaboração do documento, que contou com a assessoria técnica de duas das mais conceituadas universidades do país – a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). A visão do prefeito de que os moradores de comunidades são incapazes de formular novas ideias e são facilmente ludibriáveis se demonstra extremamente elitista, preconceituosa e repudiável.

Da mesma forma, a ideia claramente explicitada pelo atual prefeito – ao longo de toda a entrevista – de que somente quem é morador do Rio de Janeiro pode falar sobre a cidade é bastante contraditória com a tradição acolhedora e cordial do povo carioca em relação a pessoas não nascidas na cidade. Várias personalidades-símbolo do Rio de Janeiro, como Ari Barroso, Mario Filho, Nelson Rodrigues, Martinho da Vila, dentre tantos outros, não nasceram aqui, mas notadamente falaram com muita propriedade de nosso cotidiano, contribuindo inclusive para a formação da identidade carioca, hoje vendida como mera mercadoria. Tampouco isso faz sentido em uma cidade onde parte importante de sua força de trabalho, além de usuários de serviços e espaços públicos, provém de cidades da região do Grande Rio, dentre as quais está inclusa a cidade de Niterói. A ideia de um “Rio para os cariocas” encontra eco em outras manifestações de ódio étnico-racial propagadas pelo mundo, que ao longo da história serviram somente à ampliação da violência e segregação.

Nesse sentido, o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas repudia veementemente qualquer tipo de demonstração que possa fomentar a xenofobia. Ressalte-se que esta postura é ainda contraditória com as decisões político-administrativas do prefeito, já que este se valeu da expertise nacional e internacional para a elaboração de projetos como o Parque Olímpico, junto à AECOM, um escritório de arquitetura inglês; o Museu do Amanhã, com o arquiteto espanhol Santiago Calatrava; obras de infraestrutura junto à empresa baiana de origem alemã ODEBRECHT, incorporações com a empresa CYRELA, de São Paulo, dentre vários outros parceiros que não são do Rio de Janeiro.

O Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, declara, por último, que luta pela existência de muitos “Rios de Janeiro”, e não de apenas um só. Por isso sua atuação continuará no sentido de garantir direitos a todos, através de denúncias e elaboração de propostas para a cidade. Não nos calaremos diante de declarações infelizes e desonestas como esta proferida pelo prefeito do Rio de Janeiro, que tenta desqualificar de maneira desrespeitosa ações legítimas de exercício da cidadania e de resistência frente a processos violentos e autoritários articulados pelo poder público e seus parceiros na preparação para megaeventos esportivos.

Rio de Janeiro, 6 de setembro de 2012

Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro

3.600.000 horas de trabalho gratuito para a FIFA

Texto de Chris Gaffney, original em Hunting White Elephants

O Programa de Voluntários da FIFA foi aberto para que as pessoas dêem ainda mais de suas vidas para os Senhores Supremos Internacionais.  Eu sei que esta é uma “prática habitual”, mas enquanto a FIFA está antecipando lucros de mais de $3.5 bilhões de dólares para um torneio de um mês, é obsceno pensar que, num país com um salário mínimo mensal de R$ 622 ($311 dólares), a FIFA tem a ousadia de não pagar as pessoas que trabalham em seus eventos. O pior é o total sucesso do programa! Nos primeiros dias de inscrição voluntária, havia dezenas de milhares de inscrições. Sem dúvida a refeição, o transporte e os uniformes vão fazer valer a exploração. E não é pouca exploração:

  • Os voluntários têm de concordar em trabalhar 10 horas por dia durante 20 dias = 200 horas de trabalho.
  • Se uma semana útil tem 40 horas, então são 5 semanas de trabalho gratuito por pessoa.
  • Cada cidade-sede precisa de pelo menos 1.500 voluntários-escravos. 1.500 x 12 = 18.000.
  • 18.000 servos x 200 horas = 3.600.000 horas de trabalho gratuito para a FIFA.
  • 3.600.000 horas = 90.000 semanas = 22.500 meses = 1.875 anos

Você entendeu o espírito da coisa.

Vamos colocar isso em termos econômicos. Cada pessoa trabalhando por um salário mínimo brasileiro ganharia R$ 777,50 por cinco semanas de trabalho (um salário patético de R$ 3,89 a hora). Multiplique isso pelo número de trabalhadores e chegaríamos a R$ 13.995.000, ou cerca de $7 milhões de dólares. Com os lucros estimados na casa dos bilhões, por que a FIFA exige trabalho voluntário? Sete milhões de dólares não parece ser muito, e se realmente houvesse um investimento para treinar estes trabalhadores, essas pessoas poderiam usar o evento para algo mais útil do que uma mera camiseta feita por dedos ágeis no Camboja.

O salário mínimo na Suíça é de $23 dólares a hora. Vamos pagar a nossos voluntários brasileiros este salário e ver o quanto a FIFA continua a se gabar sobre a prática sustentável. Ainda assim, isto só equivaleria a $828 milhões de dólares – uma modesta contribuição à economia do Brasil. Ou, como um colega meu sugeriu, vamos reunir toda a equipe de jogadores da Copa de 2014 para evocar a pátria nacional e fazê-los voluntariarem também, doando 5 semanas de trabalho gratuito. Alô Ministro Rebelo! Eu sei que você é membro do partido comunista, mas isso realmente vai longe demais! Vamos todos ser bons capitalistas aqui, não servos feudais.

* Tradução: Luciane Gasperis

LEI GERAL DA COPA: um “chute no traseiro” do povo brasileiro

Nota de Repúdio à Aprovação da Lei Geral da Copa na Comissão Especial

Na última sexta feira (02 de março), o Secretário Geral da FIFA Jerome Valcke, em entrevista, disse que precisaria “chutar o traseiro” dos governantes brasileiros para que agilizassem os trâmites relacionados à organização da Copa do Mundo de 2014.

Agilidade, para Valcke, significa rapidez para aprovar medidas que garantam os interesses mercantis da FIFA. Definitivamente, acelerar a superação das mazelas da saúde pública, ou o atendimento às dezenas de milhares de pessoas atingidas pelas chuvas, ou mesmo pelas obras relacionadas aos mega-eventos esportivos não é a sua preocupação. Tampouco interessa à entidade agilizar a redução da histórica desigualdade social do país ou do déficit habitacional que assola suas cidades. Quanto à nossa justiça, notoriamente morosa, celeridade para a FIFA diz respeito aos procedimentos extraordinários e aos tribunais de exceção para julgar os crimes especiais que pretende criar. A entidade visa, portanto, apenas seus interesses/lucro em detrimento do bem comum e das necessidades da população. Também os congressistas e os nossos governantes parecem pouco se importar com os direitos sociais dos brasileiros. Onde está o suposto “legado social” dos jogos? Até agora, nada encontramos que permita justificar as dezenas de bilhões já investidos em nome da Copa e das Olimpíadas.

Com esta polêmica frase, Jerome Valcke se referia à Lei Geral da Copa, fruto do Projeto de Lei 2330 de 2011, elaborado pelo governo federal e que tramitava, até terça-feira (06 de março) na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e foi aprovada, nessa instância, na forma do texto consolidado pelo relator Vicente Cândido (PT-SP). Atendendo ao cartola da FIFA, a comissão atropelou manifestações democráticas, não permitindo a realização de um debate público sobre a lei em questão. No mesmo dia, o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) protocolou requerimento de urgência para a aprovação da lei no plenário da casa, agendando-a para a próxima terça feira, dia 13 de março.

A expressão grosseira “chute no traseiro dos governantes brasileiros” utilizada pela FIFA não causa surpresa. A Lei Geral da Copa já é, em si mesma, um verdadeiro “chute no traseiro” do povo brasileiro. Ela constitui o documento central de um conjunto de leis de exceção que vem sendo editadas nos três níveis federativos do país, de forma a garantir que a Copa do Mundo maximize o lucro da FIFA, de seus patrocinadores e de um conjunto de corporações nacionais, ampliando o canal de repasse de verbas públicas a particulares e fortalecendo um modelo de cidade excludente, que reproduz a lógica da especulação imobiliária e do cerceamento ao espaço público.

A Lei Geral da Copa não é tão “geral” assim. Em primeiro lugar, porque, longe de proteger o interesse público, ela tem por base contratos e compromissos particulares, ou seja, interesses privados. Além disso, não abrange a totalidade das intervenções no ordenamento jurídico brasileiro para os mega-eventos, já que não é a primeira e pode não ser a última das leis aprovadas sobre o assunto. Em cada cidade já foram emitidas “leis de segurança”, “leis de isenção fiscal”, “leis de restrição territorial”, “leis de transferência de potencial construtivo”, etc. No Senado, ainda, para onde seguirá, caso os deputados aceitem a submissão à FIFA, a Lei Geral se associará a pelo menos outros dois PLs (394/09 e 728/11) que, entre outras propostas, restringem o direito à greve a partir de três meses antes da Copa, abrem a possibilidade de proibição administrativa de ingresso de torcedores em estádios por até 120 dias, inventam o tipo penal de “terrorismo” – hoje inexistente no Brasil – e estabelecem justiças e procedimentos de urgência para julgá-lo. Criam, ainda, as chamadas “Zonas Limpas”, de exclusividade da FIFA nas cidades e privatizam o hino, símbolos, expressões e nomes para a Confederação Brasileira de Futebol – a tão “idônea” CBF.

A FIFA manda e desmanda, desrespeita e humilha as populações mundo afora. O povo brasileiro, hoje, é a “bola da vez”. Ela deseja construir um reinado de exploração itinerante durante seu evento, para o qual o Estado assume o duplo papel de “policial” – reprimindo, criminalizando e encarcerando sua sociedade – e de “financiador” – assumindo os ônus, riscos e a responsabilidade desta empreitada privada. A Lei Geral da Copa está no centro de todo este processo e consolidará, caso seja aprovada, uma Copa do Mundo excludente e com graves prejuízos ao povo brasileiro.

Dentre outras premissas, o projeto a ser votado na Câmara:

a) Preconiza a retirada de direitos conquistados por vários grupos sociais, como a meia-entrada e outros direitos dos consumidores (Artigo 26);

b) Restringe seriamente o comércio de rua e popular durantes os jogos (Artigo 11);

c) Impede que o povo brasileiro possa assistir aos jogos como achar melhor, limitando a transmissão por rádio, internet e em bares e restaurantes (Artigo 16, inciso IV);

d) Coloca a União em posição de submissão à FIFA, sendo responsável por quaisquer danos e prejuízos de um evento privado (artigo 22, 23 e 24);

e) Cria novos tipos penais e restringe a liberdade de expressão e a criatividade brasileira. Chargistas, imprensa e toda a torcida que usar os símbolos da Copa podem ser processados (Artigos 31 a 34);

f) Desestrutura o Estatuto do Torcedor em favor do monopólio da FIFA (Art. 67);

g) Coloca em risco o direito à educação, pela possível redução do calendário escolar (Artigo 63);

h) Permite a venda de bebidas alcoólicas durante os jogos, retrocedendo em relação à legislação existente (Artigo 29);

i) Transforma o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) numa espécie de “cartório particular”, abrindo caminho para abusos nas reservas de patente (Artigo 4 a 7) e na privatização de símbolos oficiais e do patrimônio cultural popular.

Dessa forma, a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP, organizada nas 12 cidades sede e constituída por diversas entidades da sociedade civil que lutam para enfrentar, impedir e minimizar os prejuízos sociais advindos com a Copa), mais uma vez, vem a público repudiar este ato de submissão brasileira perante os interesses privados de grandes monopólios da FIFA e seus patrocinadores, totalmente financiados com recursos públicos, atropelando direitos e garantias arduamente conquistados, ferindo princípios democráticos e onerando o povo brasileiro.

O Brasil tem condições objetivas de sediar a Copa do Mundo sem produzir este legado autoritário e anti-democrático. Já sediamos grandes eventos, dos mais diversos tipos. A aprovação de novas leis não é necessária e representa um cavalo-de-tróia para modificações que, supostamente transitórias, terminam por incorporar-se definitivamente em nosso direito interno.

À luz disso, os Comitês Populares da Copa vêm exigir do Poder Legislativo brasileiro, na figura de todos os congressistas, que formalize o veto que a população já deu ao PL 2330/2011, votando contrários ao mesmo. Sabemos que isso não ocorrerá sem pressão e mobilização popular e, portanto, estaremos atentos para legitimamente defender a justiça social e a soberania popular acima de tudo.

Assim não dá jogo! Queremos respeito às regras e leis já existentes na Constituição Federal que garantem ao povo brasileiro direitos e soberania.

As exigências da FIFA são um GOL contra o povo brasileiro.

FIFA BAIXA A BOLA!

A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) é formada pelos Comitês Populares nas 12 cidades-sede da Copa: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Mais informações em http://www.portalpopulardacopa.org.br

Deputado Chico Alencar sobre a Lei Geral da Copa

Os Comitês Populares da Copa têm buscado o diálogo com parlamentares para denunciar os abusos, interesses e inconstitucionalidades por trás da proposta da Lei Geral da Copa. No vídeo, o deputado Chico Alencar manda o recado, em sessão que teve presença de manifestantes. #FifaBaixaBola

Lei Geral da Copa: o povo brasileiro diz não!

Nota Pública dos Comitês Populares da Copa*

Belo Horizonte | Brasília | Cuiabá | Curitiba | Fortaleza | Manaus |
Natal | Porto Alegre | Rio de Janeiro | Recife | Salvador | São Paulo

A Presidente Dilma enviou ao Congresso Nacional o projeto de Lei Geral da Copa (PL nº. 2330/2011) que dispõe sobre medidas relativas à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014. Tal projeto cria um contexto de exceção, com alterações legais e administrativas de caráter excepcional, e atenta frontalmente contra os interesses nacionais, tudo em benefício da FIFA e seus parceiros. Por tal razão, os Comitês Populares da Copa das 12 cidades sede exigem que o Congresso Nacional rejeite a proposta do Executivo e abra um amplo debate com a sociedade sobre as medidas relacionadas com a realização dos Jogos no Brasil. Existe forte empenho do Governo em aprovar o projeto na Câmara dos Deputados ainda neste ano (nas vésperas do Natal!), o que poderá consagrar definitivamente a prevalência da FIFA sobre o Estado, sobre as leis e sobre o próprio povo brasileiro. Vejamos os principais absurdos e ilegalidades deste projeto.

Proteção e exploração de “direitos comerciais” pela FIFA

A Lei Geral da Copa cria um procedimento especial junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) para o registro de marcas consideradas “símbolos oficiais” de titularidade da FIFA, garantindo a exclusividade do seu uso e tirando do órgão o poder de decisão quanto à natureza do registro de marca. No texto normativo não há qualquer restrição sobre o significado do termo “símbolos oficiais”, que pode abranger tudo o que a FIFA indicar como tal. Todas as imagens que compõe o imaginário coletivo de paixão nacional pelo futebol correm o risco de terem que pagar “direito autoral” à FIFA. O art.5º, por exemplo, prevê que “o INPI não requererá à FIFA a comprovação da condição de alto renome de suas marcas ou da caracterização de suas marcas como notoriamente conhecidas”. Na prática a lei deixa ao arbítrio de uma entidade privada, a FIFA, a escolha dos bens imateriais que monopolizará, conferindo prioridade na tramitação dos registros apresentados pela FIFA (mais de 1000 até agora!), com isenção de todas as retribuições previstas na lei de propriedade industrial.

Restrição comercial e vias de acesso

O projeto prevê a proibição de venda ou exposição de quaisquer mercadorias nos “Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso” (art. 11), sem permissão expressa da FIFA. Tal medida irá impactar fortemente sobre o comércio local e os ambulantes serão penalizados se trabalharem nas “áreas de exclusividade” (zonas de exclusão) que serão demarcadas pelos municípios, “considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados” (sic!). Trata-se de inaceitável monopólio do exercício de atividade comercial a uma entidade privada e às empresas que lhe estão associadas.

Venda e preço dos ingressos

Violando o Código de Defesa do Consumidor, a proposta de Lei Geral da Copa concede à FIFA amplos poderes para determinar tanto o preço quanto as regras de compra e venda, alteração e cancelamento de ingressos, além de permitir a ilegal venda casada e tirar do consumidor o direito de arrependimento. Ainda não está previsto no projeto, mas a FIFA tem feito pressão sobre o Governo para suspender a meia-entrada para estudantes e idosos, solapando essa conquista social. Os brasileiros, ao que tudo indica, não estão convidados para a festa na sua própria casa.

Novos crimes, sanções civis e juízos especiais

Como se não bastasse, a proposta também prevê crimes excepcionais, com data de validade definida até 31 de dezembro de 2014. São eles: “Utilização Indevida de Símbolos Oficiais”, “Marketing de Emboscada por Associação” e “Marketing de Emboscada por Intrusão”. Acompanham os novos crimes as penas de detenção, multa e um conjunto de sanções civis relacionadas à venda de produtos e atividades de publicidade. Esses dispositivos penalizam até os bares que pretendam transmitir os jogos, afetando o comércio e a confraternização popular tão própria de nossa cultura esportiva. Além disso, o art. 37 do PL nº. 2330/2011 permite a criação de juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas para julgar demandas relativas aos jogos, ou seja, a Lei Geral da Copa abre brecha para que se crie uma Justiça de Exceção no Brasil, tal como foi feito na África do Sul por pressão da FIFA. Essa medida é claramente inconstitucional, como já foi manifestado inclusive por ministros do STF. Acrescente-se que, diferentemente de qualquer brasileiro que, ao buscar a justiça, deve recolher custas e pagar as despesas processuais, caso não seja
beneficiado com a assistência judiciária, a FIFA, pela proposta (art. 38), fica isenta de qualquer despesa processual!

Vistos de entrada e permissões de trabalho

A soberania do Estado Brasileiro também foi jogada pra escanteio na proposta de Lei Geral da Copa. O projeto prevê a concessão automática de vistos de entrada e permissões de trabalho à FIFA, “a qualquer indivíduo que ela indicar”, à equipe dos “parceiros comerciais da FIFA”, qualquer pessoa com ingresso e outros. O país perde qualquer poder de controle quanto à entrada de estrangeiros em território nacional. Criam-se fronteiras internacionais dentro das nossas cidades, enquanto se dissolvem nossas fronteiras atendendo às exigências da FIFA. Assim, a FIFA se transformaria numa espécie de consulado geral e plenipotenciário do Brasil, por proposta de nosso governo, obrigado constitucionalmente a defender nossa soberania. Basta comprar o ingresso!

Responsabilidade da União, ou melhor, do povo!

A Copa, como grande negócio que é, requer garantias. Assim, a proposta prevê que a União assuma a responsabilidade por qualquer dano causado à FIFA. Não se trata apenas de responsabilidade civil pessoal. A União responderá amplamente por “todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos”. Pelo projeto o Brasil se torna o fiador da FIFA em seus negócios particulares.

Direitos de imagem, som e radiodifusão

Pela redação do projeto, a FIFA será a “titular exclusiva” de todos os direitos de transmissão e pode impedir a presença da imprensa, como já ocorreu durante o sorteio das eliminatórias. Nem mesmo a liberdade de imprensa passou ilesa à ganância da entidade.

Considerações finais

A Lei Geral da Copa atende a exigências previstas no Caderno de Encargos da FIFA. O argumento de que o Governo Brasileiro assumiu estes compromissos é inaceitável, pois o governo não tem autoridade nem delegação para assumir acordos com entidades internacionais à revelia do Poder Legislativo e em clara oposição à Constituição Federal e às leis vigentes. Em nome dos negócios e dos lucros da entidade, percebemos uma relação de vassalagem política das nossas autoridades perante a FIFA, em prejuízo da nossa soberania, da legislação interna e dos interesses nacionais. Até mesmo as principais garantias do Estatuto do Torcedor, aprovado em 2003, estarão suspensas durante a realização dos jogos no Brasil (ver art. 43, do PL nº. 2330/2011). Isso tudo sem mencionar tantas outras violações e ilegalidades que já tem ocorrido em função da realização dos jogos, tais como, falta de informações, remoção e despejos arbitrários de comunidades pobres, repressão sobre trabalhadores informais e população em situação de rua, exploração sexual de mulheres e crianças, endividamento público acima do autorizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, falta de transparência, precarização do trabalho, segregação sócio espacial, etc.

Em verdade, a Lei Geral da Copa, caso aprovada, não será a primeira lei que atenta contra o ordenamento jurídico brasileiro. Outros exemplos são a lei nº. 12.350/2010 que isenta de tributos federais produtos e serviços relacionados com os jogos e a lei nº. 12.462/2011 que, para driblar a lei geral de licitações brasileira, criou um Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as obras da Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014, Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Além das leis de exceção aprovadas no âmbito dos estados e municípios da federação para viabilizar a qualquer custo a realização da copa.

Obviamente, a realização dos jogos não pode justificar o desrespeito aos direitos e garantias previstos na Constituição e nas leis. Jamais podemos esquecer que a FIFA, a CBF e o COI são entidades privadas. O Comitê Organizador Local do Mundial de Futebol, por sua vez, é uma sociedade Ltda! Por mais relevante que seja a organização dos Jogos Olímpicos e Mundiais, não podemos tolerar uma legislação que garanta privilégios a particulares, em caráter jamais visto no país, subjugando o próprio Estado brasileiro.

Os interesses do povo brasileiro devem estar em primeiro lugar! Queremos que sejam aprovadas leis especiais para fortalecer a cidadania e superar as desigualdades históricas do nosso país, garantindo acesso universal e efetividade aos direitos sociais previstos na Constituição, e não para potencializar os lucros de uma empresa como a FIFA que se coloca acima de qualquer forma de controle social, dentro ou fora do país.

O Congresso Nacional tem o dever de abrir um amplo debate para que a vontade do povo brasileiro prevaleça sobre os interesses estritamente econômicos que estão por trás da realização dos jogos. De nossa parte, seguimos em luta para impedir esses e tantos outros abusos relativos à realização dos megaeventos esportivos.

EXIJA DOS PARLAMENTARES QUE ELES BARREM A LEI GERAL DA COPA!

Por um país onde caibam todos e todas!

Brasil, 06 de dezembro de 2011.

Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa
Contato: articulacaonacionalcopa@gmail.com

(*) Nas 12 cidades que sediarão a Copa do Mundo de 2014, entidades, movimentos sociais e organizações políticas, criaram comitês populares para se opor às violações, abusos e ilegalidades relacionadas com a realização dos Jogos Mundiais e Olímpicos.

Faça download da nota pública em PDF: português e inglês.