Remoções na Transoeste: “Me senti num lugar que não tinha lei”

Michel Souza dos Santos perdeu sua casa e sua oficina em 2010 e até hoje não recebeu nenhum tipo de reparação da Prefeitura do Rio.

“Tive que pegar empréstimo no banco e pagar o banco, porque pelo governo não veio nada. Além de não me dar nada tiraram o pouco que eu tinha. Me senti num lugar que não tinha lei”.

Veja a reportagem da TV Brasil sobre os moradores removidos sem necessidade pela Transoeste:

Organizações de Direitos Humanos visitam comunidades removidas pela Prefeitura do Rio sem justificativa nesta quarta, dia 4

Terrenos no Recreio, que seriam necessários para a Transoeste, viraram depósitos da Prefeitura ou estão sem uso; região concentra muitos lançamentos imobiliários. Moradores denunciam que até hoje não receberam indenização da Prefeitura pelas remoções que ocorreram em 2010 e 2011.

Local onde ficava a comunidade centenária da Vila Harmonia, removida em 2011, hoje é um depósito da Prefeitura do Rio.

Local onde ficava a comunidade centenária da Vila Harmonia, removida em 2011, hoje é um depósito da Prefeitura do Rio.

O Comitê Popular da Copa e Olimpíadas organiza nesta quarta-feira (4/9) uma ida a comunidades removidas no Recreio dos Bandeirantes durante a construção da Transoeste, inaugurada em 2012. Organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional, a Justiça Global e membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores acompanharão a visita, aberta a jornalistas. O objetivo é relatar os casos para entregar ao Ministério Público, anexar a processos em curso na Justiça e entregar a vereadores para que convoquem uma audiência pública sobre as remoções no Rio de Janeiro.

Grande parte dos terrenos das vilas que ficavam no entorno da Transoeste estão desocupados ou tendo outros usos, o que tem sido questionado. “Contestamos não apenas a forma como essas remoções aconteceram, com graves denúncias de violação de direitos, mas também a motivação. As comunidades da Transoeste são exemplos concretos de remoções que obedecem a lógica do mercado imobiliário. Muitos terrenos não foram utilizados para as obras e vários empreendimentos estão sendo lançados na região”, disse Marcelo Edmundo, do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas.

Vila Recreio II, Vila Harmonia e Restinga

Jorge Santos, que construiu sua casa na Vila Recreio II, não esquece o dia 13 de agosto de 2011. “(A casa) foi um trabalho meu de 16 anos, melhorando aos pouquinhos. Destruíram em minutos. Eles não têm respeito”, disse o jardineiro. Jorge recebeu uma indenização insuficiente para comprar outra moradia e hoje mora de aluguel. Os escombros da sua casa ainda estão no mesmo local, que fica a dezenas de metros da Avenida das Américas e não foi utilizado pela Prefeitura na construção da Transoeste.

Outro caso conhecido na região é o da Vila Harmonia. A comunidade centenária, que ficava ao lado do Recreio Shopping, era formada por dezenas de casas, comércio e dois terreiros de Candomblé, com famílias remanescentes de quilombolas. “Eu não sou invasora, nasci no Recreio. Morava lá há 70 anos, meu avô se criou no Recreio”, disse Dona Sueli. O terreno da Vila Harmonia hoje se transformou em um depósito de material de construção da Prefeitura, que mantém também caminhões estacionados no local. Muitos moradores ainda aguardam a indenização.

A história de Michel Souza dos Santos é parecida, ele perdeu sua casa e sua oficina na Restinga. Michel até hoje não recebeu nenhum centavo da Prefeitura do Rio. Em dezembro, completarão três anos que ele viu sua casa ser derrubada. Sem ter para onde ir, o mecânico morou de favor, de aluguel, e agora tenta refazer a vida em Pilares. A área removida da Restinga deu espaço a três novas pistas para carros, não para o BRT Transoeste, que passa no meio da pista que tem largos canteiros centrais. “Queremos justiça, mostrar que eles estavam errados, para que isso não volte a acontecer nunca mais”, finalizou Michel.

Serviço

O quê: Visita aos terrenos não utilizados ou sub-utilizados das comunidades removidas do Recreio
Quando: Quarta, dia 4 de setembro, às 14h
Onde: Estacionamento da Amoedo – Av das Américas, 21777- Recreio

Moradores removidos por obra olímpica há dois anos continuam sem indenização no Rio de Janeiro

Comissão de Atingidos da Transoeste tem se reunido para garantir direitos de moradores; veja o mini-documentário sobre a história de Francisca

Em 17 de dezembro de 2010, Michel Souza dos Santos e Francisca Melo, ex-moradores da Restinga, no Recreio dos Bandeirantes, viram suas casas serem destruídas pelos tratores da Prefeitura em questão de minutos. Não apenas o trauma ficou daquele dia, mas a sensação de injustiça com indenizações irrisórias ou simplesmente o esquecimento por parte do poder público. Os dois faziam parte do grupo que mais resistiu à remoção forçada.

Divulgação -  Comissão de Atingidos pela Transoeste

Há dois anos, Michel aguarda indenização da Prefeitura após perder sua casa e oficina (Foto: Renato Cosentino)

“Nós lutamos contra a remoção, e parece que servimos de exemplo para as outras comunidades não brigarem por seus direitos. Não me arrependo, faria tudo de novo, mas agora estamos nessa situação”, disse Michel, que é um dos cerca de 20 moradores que não recebeu nenhum centavo da Prefeitura do Rio. Sem ter para onde ir, ele morou de favor, de aluguel, e agora está construindo uma casa em Pilares.

“Antes morava num lugar tranquilo, agora estou perto do morro e é tiroteio direto. Não pego o BRT porque não dá, vem lotado, e acabo demorando duas horas pra ir e mais duas pra voltar”, completou. Além da casa, Michel tinha uma oficina na Restinga há 12 anos. Apesar de continuar trabalhando no local para manter seus clientes, agora está numa loja alugada.

Já Francisca, com a ajuda de parentes, está refazendo a sua vida na comunidade do Fontela (conheça a sua história no mini-documentário abaixo). “O Secretário de Habitação (na época Jorge Bittar) falava que a gente já saía encaminhado para um trabalho, o que não aconteceu de maneira nenhuma. Nós saímos de lá sem nada. Então é falho isso, é uma grande falha falarem que as pessoas estão sendo remanejadas dentro dos seus direitos, negativo”, enfatizou Francisca.

Casos como o de Michel e Francisca estão sendo tratados na Comissão de Moradores Atingidos pela Transoeste, grupo que tem se reunido para dar visibilidade às violações de direitos que aconteceram na região, exigir reparações adequadas aos danos causados e fortalecer a luta de comunidades vizinhas.

“Muitas questões ainda não foram resolvidas e os moradores estão numa situação pior do que antes. A experiência que a gente passou com relação à Transoeste pode ser útil, pode ajudar nos desafios que estão postos a outras comunidades”, disse Alexandre Mendes, que na época era Defensor Público e atendeu com a equipe do Núcleo de Terras e Habitação as comunidades do Recreio.

Assim como a Restinga, Vila Recreio II e Vila Harmonia também sofreram ofensivas no período e já não existem mais. O motivo seria a construção do BRT Transoeste, mas hoje grande parte dos terrenos estão desocupados ou tendo outros usos, o que tem sido questionado pelos atingidos. Nada foi feito no local da Vila Recreio II e a Vila Harmonia se transformou em estacionamento para máquinas da Prefeitura. Já a área removida da Restinga deu espaço a três novas pistas para carros, não para o BRT.

“Queremos justiça, mostrar que eles estavam errados, para que isso não volte a acontecer nunca mais”, finalizou Michel.

Veja o que foi feito com o terreno das comunidades após dois anos de remoção: