A realocação dos pobres no Rio Olímpico

O mapa produzindo por Lucas Faulhaber, em seu trabalho de final de curso da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF, mostra claramente o que o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas vem falando desde o lançamento do seu primeiro dossiê de violação de direitos humanos: o Rio de Janeiro está passando por um perverso processo de realocação dos pobres na cidade, uma tentativa de invisibilizá-los.

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A tentativa de remoção de famílias do Horto é uma questão ambiental ou de classe?

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Enquanto famílias centenárias do Horto estão preocupadas com a tentativa de remoção de suas casas, moradores do condomínio Canto e Mello têm outra preocupação: por quantos milhões vão vender suas mansões construídas na década de 90. O condomínio fica a menos de 500 metros das casas do Horto, com as chuvas de 2010 uma piscina chegou a desabar sobre uma delas, e mesmo assim as mansões foram liberadas pela justiça em 2012 e o terreno não foi incluído na nova delimitação do Jardim Botânico, anunciada pela Ministério do Meio Ambiente na semana passada. Tanto os moradores do Horto como os do Canto e Mello vivem em terreno da União, mas recebem tratamento diferenciado do judiciário e do poder público. Por quê?

Veja a descrição do imóvel à venda, que ainda coloca a possibilidade de construção de novas casas na floresta: “Terreno de 2000 m² com 2 casas rusticas de 200 m² cada no Condominio Canto e Mello conhecido pelas mansoes. Ideal para construcao de uma nova casa. Possui agua de nascente no meio da Mata Atlantica com vista praia do Leblon no Alto Gavea. Apenas 8 minutos do Shopping Leblon”. A publicação é de 11 de maio de 2013 no ZAP. Há outra mansão a venda no condomínio. Criou-se um clima na cidade hoje que se aceita remover 600 famílias como se nada estivesse acontecendo, já são mais de 30 mil pessoas em todo o Rio. É mais uma onda de remoção na história da cidade, que atinge sempre a população de baixa renda e preferencialmente a que vive perto de áreas nobres, como no caso do Horto.

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A TENTATIVA DE REMOÇÃO DE FAMÍLAS DO HORTO É UMA QUESTÃO AMBIENTAL OU DE CLASSE?

A invisibilização da pobreza e dos pobres no Rio Olímpico

Por Renato Cosentino*Publicidade da Petrobrás apaga as favelas do Rio de Janeiro

Uma campanha publicitária internacional da Petrobrás exibiu em 2011 fotografias do Rio de Janeiro, de Nova York e de Paris a 6 mil metros de altura, em alusão aos 6 mil metros de profundidade de onde a empresa irá extrair óleo da camada pré-sal. Em destaque na imagem do Rio a praia de Copacabana e o Pão de Açúcar. Mais ao fundo a Zona Sul e Norte com o Cristo Redentor e o Maracanã. Faltaram, porém, as dezenas de favelas que compõem o cenário da região. Só no Rio uma parte da cidade foi apagada com recursos de edição de imagem.

Também em 2011 uma matéria do jornal O Globo noticiava que, a pedido da Prefeitura do Rio, o Google iria diminuir a presença das favelas no seu serviço Google Maps. O fato se concretizou em 2013, com a exclusão da palavra “favela” em praticamente todo o mapa, a hierarquização das informações com as favelas reduzidas ao mesmo destaque das ruas e o sumiço de algumas comunidades. Em 2010 já haviam sido erguidas barreiras acústicas, ou muros, nas duas principais vias expressas de ligação do aeroporto Internacional do Galeão ao Centro/Zona Sul e Barra da Tijuca. Uma pesquisa revelou a percepção dos moradores e dos motoristas que passam pelas vias: o muro está servindo muito mais como barreira visual, não como barreira acústica.

Mapa do Google em 2011 e 2013: favelas desaparecem

Esses fatos não são coincidências, e a tentativa de invisibilizar os pobres e a pobreza no momento em que o Rio de Janeiro se prepara para receber grandes eventos internacionais também não se limita ao plano simbólico. Para 30 mil moradores da cidade, a remoção virtual do mapa do Google está se tornando real. Segundo dados do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, cerca de 8 mil pessoas já foram removidas, e cinco comunidades não existem mais. O procedimento é semelhante em toda a cidade: envio de famílias para periferia com oferta precária de serviços básicos, como transporte, baixo valor de indenizações e forte pressão da especulação imobiliária.

Um outro braço dessa política se estabelece sob o discurso da ordem pública, que com a mesma truculência mistura diferentes questões como estacionamento irregular, população em situação de rua e trabalhadores informais. No bairro da Glória, onde foi instalada uma Unidade de Ordem Pública (UOP), há dezenas de guardas nas esquinas para que o famoso shopping chão, onde se podia encontrar antiguidades e quinquilharias sendo vendidas na calçada, não se instale mais. Os camelôs receberam autorização para trabalhar apenas em locais que ninguém passa e sumiram, assim como a população em situação de rua, que foi recolhida. O que acontece com essas pessoas? São levadas para abrigos longínquos, várias vezes. A estratégia é cansá-las para não voltar mais, como disse o subprefeito Bruno Ramos.

Morador em cima de sua casa destruída no Largo do Campinho, Zona Norte do Rio

A UOP é inspirada na UPP, as Unidades de Polícia Pacificadora que cada vez mais mostram sua face de controle militar do território ocupado e menos de segurança dos moradores. No dia 20 de março, Matheus Oliveira Casé, de 16 anos, foi morto pela polícia pacificadora em Manguinhos. No dia 4 de abril, Aliélson Nogueira, de 21 anos, também foi assassinado pela polícia pacificadora, agora no Jacarezinho. As edições online dos jornais falavam em tiroteio entre tráfico e polícia, mas Matheus foi morto ao receber um tiro de pistola de choque e Aliélson com uma bala na nuca enquanto comia um cachorro quente. Muitos jornais simplesmente ignoraram o fato destacando na semana a violência contra turistas estrangeiros e como isso gera um impacto negativo para a imagem da cidade.

A invisibilização que sai do plano simbólico para o real atinge um público bem específico, a juventude pobre e negra da cidade, principal alvo do encarceramento em massa em curso no Brasil. Em 1995, havia 148 mil presos no país, número que subiu para 473 mil em 2009. O Brasil possui hoje a terceira maior população carcerária do mundo e a prisão começa a virar negócio, com os presídios privados. Como tudo se justifica pela realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, foi anunciada a compra de caveirões e a construção de novos presídios no Rio de Janeiro para a segurança dos grandes eventos. É a solução dada para essa parcela da população que não serve à cidade olímpica, que deve ficar bem longe, nos conjuntos habitacionais construídos fora da cidade, ou simplesmente sumir, presa ou executada pela ação da polícia.

Aliélson Nogueira, morto pela polícia pacificadora no Jacarezinho

Mas o brilho dos grandes eventos esportivos começa a esmorecer, o marketing não consegue sustentar uma imagem construída sobre base tão frágil, e aos poucos a cidade real se impõe. Para mudar a realidade do Rio de Janeiro não basta ostentar teleférico em favela enquanto falta saneamento básico nas casas fotografadas pelos turistas. Não basta acesso a bens de consumo se falta habitação. E não basta habitação sem cidade. Para construir uma outra realidade social há muito trabalho pela frente, e no momento em que há recursos disponíveis para de fato se iniciar uma mudança profunda na cidade, eles são drenados para obras de prioridade questionável ou para destruir a infraestrutura já existente, como no caso do Maracanã e da Perimetral, sem qualquer debate público. O Rio de Janeiro está no caminho errado, e talvez por isso queira tanto esconder a pobreza da cidade. Mas como disse uma moradora da Maré: “O que adianta esconder? A gente existe, não adianta esconder não”. Pois é, recado dado.

* Renato Cosentino é mestrando do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, trabalha na organização de direitos humanos Justiça Global e participa do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro.

A pedido da Prefeitura, Google faz remoção virtual no mapa do Rio de Janeiro

Montagem: Renato Cosentino

Após a Prefeitura pedir ao Google para reduzir a presença das favelas no mapa do Rio de Janeiro, a palavra “favela” foi praticamente excluída do mapa, substituída por “morro”. A legenda de algumas comunidades simplesmente sumiu. Na imagem, a comparação na região do Rio Comprido em 2011 e 2013.

A remoção virtual faz parte de um projeto de cidade que tenta invisibilizar a pobreza e os pobres, tanto em ambientes virtuais como na realidade, com as remoções forçadas. Ajude a desmascarar a Prefeitura do Rio compartilhando esse post.

POR UM RIO SEM REMOÇÕES FORÇADAS!

Comunidade do Horto faz ato contra remoção nesta segunda (1/4), às 10h, em frente ao Ministério Público Estadual

Moradores querem regularização fundiária proposta em projeto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro em acordo com a União Federal

Após a truculenta ação da polícia militar na desocupação da Aldeia Maracanã, outra polêmica reintegração de posse está marcada para a próxima quarta-feira, dia 3/4, às 9h, na comunidade do Horto. A Justiça Federal pretende despejar um casal de idosos de 71 e 68 anos, com seus filhos, netos e bisnetos, mas moradores e movimentos sociais prometem resistir.

A juíza da 23ª Vara Federal ignorou os direitos dos moradores do Horto que vivem na região há mais de um século com autorização do Jardim Botânico, desrespeitando também a vontade da própria dona da terra, a União Federal, que já tem projeto de regularização fundiária que mantém as famílias na área e ao mesmo tempo preserva o meio ambiente.

O local é de interesse da Rede Globo, que possui sua sede na região e vem promovendo uma campanha para a retirada dos moradores. Na última sexta foi relacionada à comunidade a explosão de uma bomba no local pelo jornal O Globo, versão desmentida por Neuza Tamaio, vice-diretora da Escola de Botânica, que é citada na reportagem. Veja o vídeo que Tamaio desmente o jornal: http://youtu.be/SzW9c2a4jUg.

Serviço: Segunda-feira (1/4), às 10h, na Av. Mal. Câmara, 370 – Centro (mapa: http://goo.gl/maps/pV2HL)

Entenda: a história centenária da comunidade do Horto

A ocupação da área do Horto Florestal, hoje pertencente à União Federal, data do ano de 1808, quando D. João VI desapropriou o Engenho de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa para a construção de uma fábrica de pólvora. Em 1811, foram erguidas vilas para a instalação dos trabalhadores da fábrica, em virtude de o local ser considerado de difícil acesso. Com a transferência da fábrica para Raiz da Serra, aos pés da serra de Petrópolis, a área foi desmembrada e alienada, sendo muitas casas de antigos funcionários cedidas, já no século XX, a funcionários do Jardim Botânico.

Assim, gerações de famílias de funcionários e descendentes de funcionários da antiga fábrica e do Jardim Botânico construíram uma comunidade nos arredores do parque, com autorização (formal e informal) das diversas administrações do Jardim Botânico. Durante anos, os moradores do Horto vêm cuidando desta localidade como extensão de suas vidas, impedindo, inclusive, a implantação de projetos de grande impacto sócioambiental, como as construções de um cemitério e de conjunto residencial. Hoje, a área é ocupada por 589 famílias de baixa renda, formada, em sua maior parte, por pessoas idosas, e que possuem inclusive projeto de proteção ao ambiente e história da área (Conheça aqui http://www.museudohorto.org.br/).

Mas a área do Horto é também ocupada por condomínios de luxo e instituições como o SERPRO, FURNAS, CEDAE, IMPA, TOALHEIRO BRASIL, entre outros, que não sofrem qualquer tipo de incômodo/coerção/ação judicial por permanecerem na localidade. Enquanto isto os trabalhadores e aposentados são classificados como “invasores” e “novos favelados”. Os moradores enfrentam ameaças de despejo desde 1985, e os processos de reintegração de posse se restringem apenas a eles. São, no total, 267 processos de reintegração de posse. Duas famílias já foram despejadas e, atualmente, alguns processos não permitem mais qualquer recurso judicial, estando as famílias intimadas a deixar a área, sem qualquer indenização.

Mansão no Horto: moradores ricos não estão sendo perseguidos pela Justiça

Mansão no Horto: moradores ricos não estão sendo perseguidos pela Justiça

O projeto de regularização fundiária da Associação de Moradores com a UFRJ

A Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR) e movimentos sociais têm se mobilizado na defesa do direito à moradia, como um direito inalienável à dignidade humana e com específica previsão constitucional, tendo como parceira a partir de 2008 a própria União Federal, através de sua Secretaria de Patrimônio, que na busca do cumprimento da função sócioambiental da propriedade realizou convênio com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, para desenvolver projeto de regularização fundiária.

O projeto, realizado criteriosamente pela Universidade, concluiu que apenas uma pequena parte da comunidade está dentro do perímetro do Jardim Botânico, e teria que ser realocada para terreno de propriedade da União dentro da mesma área. Numa rara interlocução entre poder público, universidade e comunidade centenária, foram construídas soluções que respeitam os direitos fundamentais dos moradores locais e o meio ambiente, demonstrando que é falsa a campanha que opõe moradia à preservação ambiental.

A União Federal quer regularizar a situação dos moradores

Contudo, para o Poder Judiciário não importa que a União Federal, dona dos terrenos, queira regularizar os moradores centenários, respeitando sua missão como poder público e implementando na prática a função sócio ambiental da propriedade. Importa à “Justiça” a “limpeza” da região para beneficiar a especulação imobiliária, e por isto tem promovido uma verdadeira perseguição ideológica que ameaça responsabilizar, pessoalmente e criminalmente, até mesmo os funcionários que tem promovido a regularização fundiária de acordo com as diretrizes da União Federal previstas em lei.

Em 2012, o Tribunal de Contas da União, provocado e pressionado por Listz Vieira (presidente do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico), pela Associação dos Amigos do Jardim Botânico e pela Rede Globo, paralisou o processo de regularização fundiária do Horto, que estava na fase da concessão da primeira Cessão de Direito Real de Uso. Numa intervenção manifestamente inconstitucional e motivada por questões ideológicas, o TCU determinou a demarcação do perímetro do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico, porém com a ressalva de que, enquanto isso, nenhuma reintegração de posso poderia ser feita.

Ameaça de despejo para a próxima quarta (3/4), às 9h

No entanto, em recente decisão judicial, o desembargador Luiz Paulo da Silva Araújo Filho obriga a União Federal a marcar e a fornecer os meios para o despejo de um senhor idoso, sob pena de criminalizar até mesmo o advogado geral da união que atuou no processo! Em 2005 as tentativas de despejo no Horto geraram a hospitalização de cinco pessoas e a morte de um morador. O que pretendem agora com esta nova investida contra a comunidade? Quantos ainda terão que morrer na imposição de um projeto covarde que trata a cidade como mercadoria, que expulsa das áreas valorizadas os empobrecidos atropelando e destruindo culturas e histórias de vida?

Não iremos aceitar nenhum despejo na comunidade do Horto! Nenhuma moradia a menos! Pela continuidade da regularização fundiária do Horto e pelo cumprimento da função socioambiental da propriedade!

VÍDEO: O drama de Ravel, jovem esperança olímpica que sofre com a remoção forçada de sua família

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Um paradoxo olímpico. Assim pode se definir o atual momento de Ravel Mendonça, 17 anos, atleta da seleção brasileira sub-19 de vôlei de praia. Ao mesmo tempo em que é esperança e sonha com uma vaga olímpica em 2016, vê desesperança e pesadelo com as obras que viabilizarão a realização dos Jogos na cidade onde mora, no Rio de Janeiro. A casa onde morava foi desapropriada e demolida no último sábado para construção da Transcarioca. Entenda na reportagem de Thales Machado!

Fonte: http://espn.estadao.com.br/video/316184_o-drama-de-ravel-jovem-esperanca-olimpica-do-volei-de-praia-que-sofre-com-as-obras-para-o-evento-de-2016

Mais uma escola na mira dos tratores da Prefeitura, agora no caminho da Transolímpica

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A Escola Silveira Sampaio, em Curicica, é uma das poucas que oferece atividades esportivas e culturais para a comunidade local, como futebol de salão, handball, tênis de mesa, ginástica, atletismo e levantamento de peso. Professores, pais e alunos estão revoltados com a ameaça de demolição. Clique na imagem abaixo e leia a matéria do jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá:

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Comitês Populares da Copa e Olimpíadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU

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“Esperamos que a comunidade internacional se mobilize e que o Brasil responda aos questionamentos da Relatoria especial para o Direito à Moradia, tomando medidas efetivas para que nenhuma família tenha que sofrer com a ameaça das remoções forçadas”, disse Giselle Tanaka, representante da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, após a fala no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Remoções forçadas para Copa e Olimpíadas no Brasil serão tratadas em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

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Acontece nessa segunda, 4 de março, a 22ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça. A Relatora Especial da ONU sobre Direito à Moradia Adequada, a brasileira Raquel Rolnik, apresentará seu novo relatório, que tem como tema a segurança da posse como componente do direito à moradia. O estudo de Rolnik foi produzido em meio à crise mundial de insegurança da posse, que se manifesta de muitas maneiras e em contextos distintos: despejos forçados, deslocamentos causados por grandes projetos, catástrofes naturais e conflitos relacionados à terra.

Estará também presente na sessão Giselle Tanaka, da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), que fará uma breve exposição sobre as remoções forçadas no contexto da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil. A intervenção da ANCOP – que será publicada na íntegra após o evento – pedirá que o Conselho diga ao governo brasileiro que pare imediatamente as remoções forçadas e, em parceria com as comunidades afetadas, crie um plano nacional de reparações e um protocolo que garanta os direitos humanos em caso de despejos causadas por grandes eventos e projetos.

— Veja a sessão ao vivo a partir das 5h (horário de Brasília): http://webtv.un.org/

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As remoções forçadas têm sido o grande drama das famílias brasileiras desde o início das obras para a Copa do Mundo e às Olimpíadas. Estima-se que pelo menos 170 mil pessoas estejam passando por despejos relacionados aos eventos, o que corresponde a quase um em cada mil brasileiros. A ANCOP já submeteu denúncias para a Relatoria Especial e para a Revisão Periódica Universal da ONU em outras ocasiões, que serviram de base para a Resolução 13/2010 sobre megaeventos e direito à moradia, para duas cartas sobre o tema (em 2011 e 2012) da Relatoria Especial da ONU para o governo brasileiro, e gerou recomendações específicas do Conselho da ONU ao Brasil durante seu encontro em maio de 2012.

Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa

A ANCOP reúne movimentos sociais, organizações, representantes de comunidades, pesquisadores e outras entidades e pessoas críticas à forma como estão sendo feitas as transformações urbanas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Em dezembro de 2011, o grupo lançou o dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, que reúne dados e informações sobre impactos de obras e transformações urbanas realizadas para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. Os Comitês Populares estão nas 12 cidades-sede da Copa: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. O site pode ser acessado no endereço http://portalpopulardacopa.org.br/.

Casa-fantasma é construída na porta de liderança contra remoção do pico do Santa Marta

Apesar dos moradores do pico do Santa Marta estarem há seis anos proibidos de fazer qualquer manutenção ou melhoria em suas residências, uma casa de madeira foi construída no alto da comunidade, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, em dezembro de 2012. Ninguém mora no local, que está justamente numa área de convivência em frente à casa de Vitor Lira, principal liderança do pico. Não se sabe o motivo da construção e nem porque ela foi autorizada no momento em que 150 famílias estão ameaçadas de remoção.

Casa de madeira (à direita) construída em frente a casa de Vitor Lira, morador que questiona a remoção.

Casa de madeira (à direita) construída em frente a casa de Vitor Lira, morador que questiona a remoção.

A Prefeitura do Rio argumenta que o pico do Santa Marta está em área de risco, mas obras de contenção de encosta foram feitas em governos anteriores e mesmo com a força das chuvas que atingiram a cidade nos últimos anos não foi registrado nenhum incidente no local. Laudos comprovam a segurança das casas e suas ruas e vielas já têm nome, saneamento e cobrança de água e luz. Um grupo organizado na Comissão de Moradores do Pico do Santa Marta vem se reunindo e questionando as reais intenções da Prefeitura em removê-los da área.

Rua da Floresta, uma das muitas do pico do Santa Marta. Placas foram instaladas pela Light para garantir a entrega das contas de luz.

Rua da Floresta, uma das muitas do pico do Santa Marta. Placas foram instaladas pela Light para garantir a entrega das contas de luz.

Do medo à cobiça

Há poucos anos, o pico do Santa Marta era um local de difícil acesso e estratégico para o tráfico de drogas. Era também pelo alto do morro que a polícia entrava e para lá que os jovens presos por policiais eram levados e possivelmente executados, como mostrou o documentário “Notícias de uma Guerra Particular”, do fim da década de 90. Mas o plano inclinado, construído em maio de 2008, e o asfaltamento da rua que sobe por Laranjeiras após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, em dezembro do mesmo ano, tornou a belíssima vista mais acessível e cobiçada.

“Era uma situação difícil por causa do confronto (entre policiais e traficantes) e havia dificuldade de acesso a serviços públicos, ninguém queria subir o morro. Agora não tem o poder bélico de antes e os serviços começam a chegar, apesar de ainda ser muito precário. A partir da militarização veio a cobiça das pessoas, as empresas, e agora querem tirar a gente daqui”, disse Vitor Lira.

Vitor Lira fala em atividade contra a remoção do pico, em janeiro de 2013.

Vitor Lira fala em atividade contra a remoção do pico, em janeiro de 2013.

O pico do Santa Marta é um local muito frequentado pelos turistas que visitam o Rio de Janeiro e é de lá que parte a trilha para o mirante Dona Marta. A comunidade recebeu a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em agosto 2010 para lançar o projeto “Rio Top Tour”, que conta com o apoio do Ministério do Turismo. O alto do morro tem uma das vistas mais privilegiadas da cidade, de onde se vê o Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Lagoa Rodrigo de Freitas e as famosas praias da Zona Sul.

“A gente recebe diariamente muitos turistas, e muitos são pesquisadores de empresas, redes de fast food, hoteleiras, porque sabem do fluxo de pessoas e querem aproveitar os visitantes estrangeiros e brasileiros que passam por aqui. Há oportunidades de investimento em vários setores. O trem do Corcovado não dá mais vazão, e aqui é uma rota alternativa para o Corcovado. Já foi cogitado até um teleférico para o mirante”, completou Vitor.

Campanha contra a remoção do pico

Desde de dezembro 2011, uma série de atividades vem sendo realizadas contra a remoção das 150 famílias da parte alta do morro, como caminhadas ecológicas, debates e oficinas. No sábado, 19 de janeiro, uma roda de samba trouxe temas como a discriminação social e as remoções que têm atingido diversas favelas na preparação do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Entre as músicas, falas de apoiadores de dentro e de fora do morro e depoimentos de moradores.

Faixas da campanha contra a remoção do Pico do Santa Marta.

Faixas da campanha contra a remoção do Pico do Santa Marta.

Seu Manoel Isidoro, que chegou à comunidade em setembro de 1953, falou da organização dos moradores que construiu boa parte da infra-estrutura do local, como uma caixa d’água comunitária e as ruas de acesso. Em 2013, ele completa 60 anos morando no pico. Vitor Lira é nascido e criado no Santa Marta e seus filhos são a quinta geração de sua família no alto do morro. “Já vivemos situações muito complicadas e não saímos, e não vai ser agora que isso vai acontecer. Ainda vamos ficar aqui por muitos anos”, finalizou.

Seu Manoel Isidoro, 60 anos de pico do Santa Marta, agora um "território de negócios", como diz a faixa.

Seu Manoel Isidoro, 60 anos de pico do Santa Marta, agora um “território de negócios”, como diz a faixa.

Vitória, filha de Vitor Lira: quinta geração no pico do Santa Marta.

Vitória, filha de Vitor Lira: quinta geração no pico do Santa Marta.

Imagens e texto: Renato Cosentino